segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ao inimigo

Eu não sei bem o que é isso. Dessa sombra insurgem lágrimas contra as quais não devo lutar. Esse meu interior tão sincero não é meu verdadeiro inimigo.

A verdade é que essa insegurança está me matando. Todo ser humano a tem dentro de si, é verdade, em doses diferentes. Eu sempre a senti borbulhar dentro de mim. Mas é agora que ela parte para o ataque. Ela evoluiu.

Deixou de ser coisa boba de vestibular, de sucesso, de conquistar os próximos. E é exatamente essa transição que me abalou. Porque foi assim que eu notei, pela primeira vez, que essa não é a vida que eu quero.

Eu não quero! Não quero uma vida de fingimentos, uma vida onde eu tenha que agradar a todos e corresponder a suas expectativas, estressar-me por individualidades e individualismo! Eu sou diferente disto! Sou diferente daqueles que só querem beleza e dinheiro! Eu quero mais! Eu quero aquela euforia toda de novo! Eu quero ouvir as vozes em coro, anunciando um mundo ilusório e condenável pelas autoridades!

Eu quero a rebeldia eterna que grita pela paz. Todo o paradoxo do prazer advindo da dor. Eu cansei, cansei de contrarreformas, de protestar só com os olhos furiosos. A última coisa que quero agora é me conformar.

Meus sonhos estão espalhados pelas nuvens e um dia conseguirei alcançá-los. Eu e todos aqueles que correm com suas próprias pernas por sua própria humanidade. Que veem na cômica realidade o humor negro circulante, manchada de sangue nos cantos, discretamente isolada do mar caótico que dela mesma surge. Se choro, é em agradecimento àqueles que me fizeram levantar. Se choro, é de saudades, é de vontade desesperada de mudar.

Não contra a morte, não contra a chuva, mas contra a dor. Contra a dor que a minoria sente quando o desrespeito mata sua existência. Contra a dor que eu sinto ao me sufocarem para entrar nos trinques.

Contra o desespero que me abate de ter essa vida tão comum e irrisória. O medo que tenho da normalidade.

Do you know your enemy?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

E quando não houver mais maçãs?

Daí você vai me responder: “é simples. Não há com o quê se preocupar, pois, à época em que não existirem mais maçãs, já teremos fabricado pílulas alimentícias, entre tantos outros suplementos nutricionais. Se bobear, não mais sentiremos fome; basta que nos conectemos a uma tomada e voilà, estamos prontos para mais um dia de vida. Se é que esse conceito ainda existirá, porque passa a não ter mais sentido empregar “vida” se não houver “morte”. Acredito que esse é nosso futuro.”

Brilhante. Literalmente, brilhante, como o aço, a platina. Concordo com cada palavra. Só que, se fosse de meu desejo ouvir essa resposta, eu poderia ter perguntado algo mais objetivo, como “o que você pensa sobre nosso futuro?”. Ou “o que acontecerá quando os seres humanos se tornarem estéreis devido à quantidade de toxinas que infectam nosso corpo diariamente?” (é claro que você responderia “não faz mal, criaremos filhos robôs”). Ou “daqui a quantas décadas nossa carne será de ferro?”. Ferro, não: platina. Ferro nós já usamos há milhões de anos...

Então por que eu não fiz uma dessas perguntas? Porque, meu caro, a pergunta foi feita sob a ótica do ser humano Humano. Você, ora, você respondeu sob a ótica de todos os seres humanos que hoje habitam o planeta. Não lhe culpo. Você é humano. Eu sou humana. Esta ótica que defendo – verbo que está conjugado na errada pessoa, de fato – foi a chuva que me trouxe.

Na realidade, a maçã.

Vejo inúmeras propagandas apelando para acabarmos com o desmatamento, a poluição, a extinção de espécies, porque estamos progressivamente (e o progresso aparentemente tudo justifica) destruindo a Natureza. Como não estamos nem aí para ela, (in)surgem os que apelam para o egoísmo do ex-bicho homem. Eles gritam: acabando com a Natureza, acabaremos com nós mesmos. Não haverá comida, moradia, nada.

Apelaram para o grito. Vamos responder na mesma moeda?

Dane-se! Quem se importa com tudo isso? Água? H2O, fabricaremos. Comida? Qual você deseja, de Natureza proteica, lipídica, glicídica ou vitamínica? Moradia? Não acreditamos que um dia venham a explodir o mundo inteiro... Que muitos morrerão nesse processo, é verdade, mas em que ponto esse processo seria diferente de tantas outras guerras que já ocorreram na História? (Atente ao fato de que responderiam “processo” – então no caso seriam eles os “processadores”?)




Cabe outra pergunta: até que ponto isso seria tão diferente do que as potências vêm fazendo – ou não fazendo – ao negligenciar completamente a existência de humanos, exatamente como eles, nos países em desenvolvimento? Até que ponto desenvolveu-se o Hitler dentro de cada um? Até que ponto permitimos isso, ou melhor, até que ponto criamos, inspirados em notinhas verdes e no que elas nos fazem sentir, isso?

Esses argumentos de que alguns se valem para tentar mudar nossa doutrina atual podem até ser válidos, mas... Ineficientes. Podem até enganar um bobo ou dois, não os três mil que governam o mundo. Não os três mil que fazem do lucro coração.

E sinto dizer que, com o ego afetado do jeito que estamos, nenhum de nós fará a diferença, nem furacões, nem aumento do nível do mar, nem superaquecimento, nem escassez de alimento ou água, nem mais nem menos poluição, nem choro de subnutrido, nem tiro na favela, nem a criança que pede por favor ou que corre nua na frente do tanque de guerra.

Nem Deus.

Os símbolos, os ídolos e o misticismo já foram empurrados para debaixo do tapete. O ser humano não fez só várias corridas de armamento, mas várias de encouraçamento, e hoje se tornou a máquina mais poderosa contra todos os outros. Quase impenetrável.

Só tem um lugarzinho, um último calcanhar de Aquiles - e esse, meu filho, ninguém será capaz de acertar ou proteger, senão a Natureza.

O que acontecerá quando, depois de destruído todo o mundo natural como foi concebido, o ser humano olhar, olhar... e não vir nada? O que estará a sua frente será o ultrapassado. O que ele próprio concebeu. O frívolo, o já descoberto, o batido.

E o enigma?

E o progresso?

E o vazio que ele próprio criou? Quando se destrói o que é superior, é você quem vira o mais forte. E aí? O que fazer? Mas que tédio! Tudo parou! Matei Deus, matei a Natureza!

E a inspiração? O que produzimos aqui foi e é uma mera adaptação de tudo já preexistente na Terra, com base em anos de observação, experimentos, teorias. O computador que imita o cérebro humano. Os novos elementos com base no que nos foi passado de Mendeleevs e Rutherfords. O planeta artificial, cheio de vielas e interligações, tal qual o planeta natural.

E aí, sabichão? E agora, José?

E quando você se sentar à sombra de um poste, e não houver nenhuma maçã para cair sobre a sua cabeça?

Fim. Dessa vez, para valer.